23 abril 2006

O Penado de Escamarão

Urna funerária. Escamarão, concelho de Cinfães, junto à confluência do Rio Paiva com o Rio Douro. Foto: A. Leitão

(...)
Segundo a história contada por Adriano Strecht, Dom Lopo de Cardia tomou-se de afeição por Maria, filha de um foreiro do lugar de Avessadas, onde lhe cultivava as terras. Querendo desfrutar-se da rapariga, pretendeu usar da prerrogativa feudal do direito de pernada, impondo-lhe marido, para depois com ela passar a noite de casamento.

Maria contudo escolhera a vida de monja. E quando na capela do Escamarão, perante o povo que a enchia, o sacerdote paramentado procedia ao cerimonial de aceitação dos votos da prometida de Cristo - renunciar ao mundo e obedecer à regra de S. Bento, viver em pobreza, abstinência e castidade - Dom Lopo irrompeu porta dentro, protestando enraivecido contra a usurpação dos seus direitos.

Num gesto sacrílego e de profunda arrogância, apoderou-se de Maria e pretendeu concretizar a sua luxúria levando-a para sua casa senhorial, o Paço da Cardia.

O castigo de Deus foi implacável.

Do opulento solar de Cardia para onde se dirigiu o senhor feudal, só encontrou ruínas. Tornando ao Castelo, ao Castelo na foz do Paiva, mal põe o pé na ponte elevadiça o morro onde se situava estremeceu. O Castelo ruiu num repente, esboroou-se nas águas e Dom Lopo com ele, atingido de morte.

Quando depois lhe recolheram o corpo para o sepultarem, nem a terra nem a tumba o aceitaram. Na Igreja,

«... a entrada, lhe vedou a imagem
Do Anjo S. Miguel, que era descido
Do seu altar e com o seu montante
Da porta é sentinela vigilante».

A arca de granito onde se propunham guardar os restos mortais de Dom Lopo igualmente o rejeitou, erguendo-se e permanecendo ao alto, e os esforços para o enterrarem na terra foram baldados, que nem a terra o quis. O corpo do devasso Senhor desapareceu na noite desse dia e na noite dos tempos.

Assim conta a lenda de «O Penado do Escamarão», recriada pelo génio imaginativo de Adriano Strecht.

A arca tumular, essa permanece no local, vazia e ao alto, hoje a servir de apoio a uma escada de uma casa fronteira à Igreja.

E, seguindo a trama da história e a crença do povo que diz que «...em certas noites tempestuosas se ouve, perto da Igreja do Escamarão, uma voz lamentosa cantar o Miserere», acrescentando também que faz soar uma campainha, apetece interrogar aquela pedra que ali se mantém(...)


(Inácio Nuno Pignatelli, in O Paiva, ou a Paiva... como também lhe chamam, Edições Afrontamento, Porto, Dezembro de 1998)


O Castelo de que fala a lenda, e que deu o nome a Castelo de Paiva, ficaria situado numa pequena ilha existente no Rio Douro, em frente à embocadura do Rio Paiva. Podem ser vistas fotografias desta ilha no blog Fotos do Tempo, de A. Leitão.

Comentários: 6

Blogger a.leitão escreveu...

Denudado,
A documentação que nos trás e as suas observações veem enriquecer as fotos que tirei do local o que agradeço.

23 abril, 2006 03:18  
Blogger Mónica (em Campanhã) escreveu...

obrigada pela explicação sobre os travões de areia na Cidade Surpreendente
monica

24 abril, 2006 22:47  
Blogger Terra escreveu...

Passo sempre. Leio sempre.
Ainda que não escreva.
E ainda que não to diga sempre, aqui declaro achar de grande interesse os temas que escolhes.
Obrigada

24 abril, 2006 23:54  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Mónica, não tem nada que agradecer. Foi com muito gosto que expliquei o funcionamento dos travões de areia no "Cidade Surpreendente". Vi-os muitas vezes a funcionar ao fundo da inclinada Rua de Barros Lima, quando ia de eléctrico para as aulas no Alexandre Herculano.

Pwo, muito obrigado pelas tuas simpáticas palavras. Procuro diversificar os assuntos, mas há temas que são pouco "blogáveis". Os blogs prestam-se, sobretudo, à publicação de imagens e de textos curtos, mas há assuntos que exigem um pouco mais de desenvolvimento e eu não sei como encaixá-los aqui. De qualquer modo, assunto é coisa que não me falta; o que me falta é tempo.

25 abril, 2006 22:32  
Blogger André escreveu...

Este artigo já é um pouco antigo mas para mim é bastante actual.
Sou natural de Escamarão e habituei-me a ver todos os dias este elemento todos os dias no meu regresso da escola.
Recentemente durante uma obras de reabilitação da moradia foi removido da escadaria este elemento e retirado sem que ninguém se apercebesse.
Após a intervenção de alguns moradores foi possível recuperar a urna que se encontra hoje em Escamarão mas já não no seu lugar de sempre.

14 junho, 2010 14:43  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Caro André,

Muito obrigado pela informação. Não voltei a Escamarão desde que publiquei este artigo e, por isso, desconhecia a alteração verificada. Aqui fica o seu registo.

15 junho, 2010 00:10  

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