22 maio 2006

O primeiro europeu a chegar ao Tibete

Fotos: I. Tamagawa

Poderia ter sido Marco Polo o primeiro europeu a pisar solo tibetano, mas não foi. Passou perto mas não foi ao Tibete. Julgou-se durante muito tempo que foi um franciscano do séc. XIV, chamado Frei Odorico de Pordenone, mas acabou por se concluir que também não foi ele.

Em 1603, o português Diogo de Almeida afirmou ter vivido no Tibete durante dois anos, mas as descrições que ele fez da existência de igrejas cristãs, com imagens de Cristo, da Virgem Maria e dos Apóstolos, não correspondem à verdade. Certamente ele ouviu detalhadas descrições dos templos budistas do Tibete, assim como da existência de numerosos monges, e interpretou-as à sua maneira.

A seguir, o irmão Bento de Goes tentou atingir o Tibete a partir da Índia, mas teve de desistir, dadas as enormes dificuldades com que deparou.

Em 30 de Março de 1624, o padre jesuíta português António de Andrade partiu de Agra para Caxemira, acompanhando o imperador mogol, mas em Delhi resolveu seguir uma caravana de peregrinos budistas que se dirigiam para um templo famoso situado entre a Índia e o Tibete. Foi acompanhado pelo irmão Manuel Marques e por dois criados.

Subiram os Himalaias, seguindo por trilhos onde às vezes só se podia avançar pé ante pé na beira do abismo. «São pela maior parte aquelas serras tão talhadas a pique, como se por arte estivessem a plumo, correndo-lhe lá no profundo como em um abismo o rio Ganges, que por ser mui caudaloso e se despenhar com notável estrondo por grande penedia entre serras tão juntas acrescenta com seu eco o pavor que a estreiteza do caminho causa a quem vai passando.»

Ao fim de mês e meio, chegaram ao destino dos peregrinos, o pagode de Badrinath, a 3170 metros de altitude. Deixaram os peregrinos e empreenderam a subida à portela de Mana, a 5604 metros de altitude, para além da qual se estende o Tibete, mas tiveram que voltar para trás, quase mortos por causa do frio. «Nos pés, mãos e rosto, não tínhamos sentimento (...) Aconteceu-me pegando em não sei quê, cair-me um bom pedaço do dedo, sem eu dar fé disso, nem sentir ferida, se não fora o muito sangue que dela corria. Os pés foram apodrecendo de maneira, que de mui inchados, no-los queimavam depois com brasas vivas, (...) e com mui pouco sentimento nosso.»

Algumas semanas mais tarde fizeram nova tentativa, desta vez com êxito. Em princípios de Agosto de 1624, António de Andrade e os seus companheiros entraram na cidade real de Tsaparang, no reino tibetano de Guge, enquanto a população da cidade saiu para a rua para ver aquela «gente muito estranha e nunca vista por aquelas terras». Estiveram no Tibete durante um mês e depois regressaram à Índia.

Comentários: 3

Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Alguns meses antes de o João Garcia ter empreendido a subida ao Everest, que quase lhe custou a vida (mas custou a vida ao seu companheiro, tendo o próprio João Garcia ficado sem as pontas dos dedos das mãos e sem o nariz), encontrei-o aqui no Porto a fazer compras, para essa mesma expedição, numa loja de artigos de campismo, alpinismo e actividades afins.

Eu fui lá comprar um saco-cama e o João Garcia estava lá a avaliar umas cordas, comparando a sua resistência, elasticidade, etc. O empregado da loja estava impressionadíssimo por estar a servir um cliente que ia trepar ao Everest... Foi a única vez que vi pessoalmente o João Garcia.

Foi por causa dele que fiquei cliente daquela loja. Se o João Garcia, que não é do Porto, foi lá fazer compras, é porque a loja é boa...

Ontem ou anteontem, ouvi uma notícia segundo a qual ele acabou de subir à terceira montanha mais alta do mundo, sem oxigénio, e que tenciona escalar todas as montanhas que tiverem mais de 8 mil metros de altitude! Como é que ele consegue fazer tão impressionantes escaladas sem as falangetas? Terá umas próteses especiais nos dedos?

No que diz respeito ao Luandino Vieira, discordo da opinião de que ele só tenha uma qualidade bastante razoável. Para mim, o Luandino tem imensa qualidade e a atribuição do prémio foi da mais elementar justiça. Admiro-o como escritor e como homem.

24 maio, 2006 17:36  
Blogger Spoony escreveu...

A "romaria" que andrade acompanhou a Badrinath não seria de hindus? Pq seriam de budistas, se Andrade os escreve como "gentios"? Fiquei em duvida...
brunasoalheiro@hotmail.com

11 julho, 2007 22:53  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Cara Spoony,

Parece que tem razão no reparo que faz. Os peregrinos que António de Andrade terá acompanhado a partir de Delhi seriam hindus e não budistas. Por exemplo, em "Jesuits Trip, Stumble on Shambhala", pode-se ler, nomeadamente, o seguinte:

"(...) In the spring of 1624, while in Delhi, Andrade learned of a large group of Hindu travelers who were just about to depart on a pilgrimage to a temple somewhere deep in the fastnesses of the Himalaya Mountains. Accompanying the pilgrim group, he decided, would be an excellent way to penetrate the Himalayas, hitherto virtually unexplored by Europeans. Andrade and a Jesuit companion, Manuel Marques, both disquised as Hindus, left from Delhi with the pilgrim caravan in early April of 1624. (...)"

Fico-lhe muito agradecido pela sua atenção.

11 julho, 2007 23:47  

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