12 maio 2007

Canção do Bhául

Teus caminhos, Senhor,
teus caminhos de amor,
perdidos,
oculta-os a Mesquita,
a cobiça infinita
da Igreja,
do Pagode...
Aos meus ouvidos
vibrou, há muito já, o Teu apelo,
e a minha alma deseja,
mas não pode,
recolhê-lo...
No início das Idades,
a Natureza
aceitou e guardou teu mandamento
no coração.
Só o homem enjeitou o inestimável dote
só ele lhe negou a alma p´ra retiro,
e cometeu-o ao papiro,
ao livro, ao sacerdote!...

E Tu ainda lhe bates com frequência
à porta da consciência.
Tu mandas-lhes profetas, avatares,
com tuas mensagens salutares,
num grandioso exemplo
de paciência!
Mas eles, em resposta,
encerram-Te num templo!
Sob as grandes arcadas
Te procuro,
nas catedrais:
claustros silenciosos,
naves abobadadas
e colossais,
da alva Mesquita ao hipogeu escuro,
percorrem tudo, aos rastos, meus joelhos
pressurosos.

Mil vezes invoquei Teu nome puro!
Mil vezes Te chamei «Senhor, Senhor»!
Mas sempre em vão!
Folhas dos Vedas, citas dos Evangelhos,
versículos da Biblia e do Corão
foi o que vi,
mas nada disso mata a sede ardente
da minha alma por ti!

O Mundo é o melhor Veda,
Biblia maior que a Biblia é a criação.
O brâmane segreda
as mantras mansamente,
mas o Livro da Vida está aberto por Tua mão:
deste-o Tu a ler a toda a gente...

P´ra que irmos a Meca ou Benares?
Acaso quando estás num santuário,
é por faltares
no Universo inteiro
aos outros meus irmãos?
Acaso as proporções dum relicário
podem conter a Tua astral grandeza?
P´ra quê erguer-Te templos, se o primeiro,
se o mais extraordinário,
é o templo, sem par, da Natureza,
uma obra das Tuas mãos?

Nesse Templo admirável,
milhões
volvem para Ti seus tristes corações...
O espectro execrável
do Ulama ou do Guru
escava abismos mil, mil divisões
entre os irmãos.

Mas eles, grade a grade,entre as prisões,
dão-se as mãos:
o seu ideal és Tu!
Atende, pois, Senhor, o seu suspiro.
Transforma este retiro
desolador
num reino de Alegria
e de Amor!
Que, no livro da História,
as Tuas graças,
chovendo qual dilúvio varredor,
apaguem para sempre a divisória
das seitas, das nações, línguas e raças!

Que se sinta embalada a Humanidade
suavemente,
no rítmo astral da eterna sinfonia
da Tua glória.
Nesse dia,
em porvindouras eras
verás, por fim, o Prometeu rebelde
acompanhando, humilde, reverente,

Tua batuta mestra,
na Orquestra
das Esferas!

Adeodato Barreto (1905-1937), poeta e humanista de Goa

Bhául (sânscrito) - o excêntrico, aquele que não se conforma aos usos sociais



Basílica do Bom Jesus, em Velha Goa, onde estão os restos mortais de São Francisco Xavier (Foto: Goa Central)

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