07 julho 2010

Os Direitos da Criança


Matilde Rosa Araújo (Foto: António Vieira da Silva)

I

A criança,
Toda a criança.
Seja de que raça for,
Seja negra, branca, vermelha ou amarela,
Seja rapariga ou rapaz,
Fale a língua que falar,
Acredite no que acreditar,
Pense o que pensar,
Tenha nascido seja onde for,
Ela tem direito…

II

…A ser para o homem a
Razão primeira da sua luta.
O homem vai proteger a criança
Com leis, ternura, cuidados
Que a tornem livre, feliz,
Pois só é livre, feliz
Quem pode deixar crescer
Um corpo são,
Quem pode deixar descobrir
Livremente
O coração
E o pensamento.
Este nascer e crescer e viver assim
Chama-se dignidade.
E em dignidade vamos
Querer que a criança
Nasça,
Cresça,
Viva…

III

...E a criança nasce
E deve ter um nome
Que seja o sinal dessa dignidade.
Ao sol chamamos Sol
E à vida chamamos Vida
Uma criança terá o seu nome também.
E ela nasce numa terra determinada
Que a deve proteger.
Chamamos Pátria a essa terra,
Mas chamemos-lhe antes Mundo…

IV

…E nesse mundo ela vai crescer.
Já a sua mãe teve o direito
A toda a assistência que assegura um nascer perfeito.
E, depois, a criança nascida,
Depois da hora radial do parto,
A criança deverá receber
Amor,
Alimentação,
Casa,
Cuidados médicos,
O amor sereno de mãe e pai.
Ela vai poder
Rir,
Brincar,
Crescer,
Aprender a ser feliz…

V

…Mas há crianças que nascem imperfeitas
E tudo devemos fazer para que isto não aconteça.
Vamos dar a essas crianças um amor maior ainda.

VI

E a criança nasceu
E vai desabrochar como
Uma flor,
Uma árvore,
Um pássaro,
E
Uma flor,
Uma árvore,
Um pássaro
Precisam de amor – a seiva da terra, a luz do sol.
De quanto amor a criança não precisará?
De quanta segurança?
Os pais e todo o mundo que rodeia a criança
Vão participar na aventura
De uma vida que nasceu.
Maravilhosa aventura!
Mas se a criança não tem família?
Ela tê-la-á sempre: numa sociedade justa
Todos serão sua família.
Nunca mais haverá uma criança só,
Infância nunca será solidão.

VII

E a criança vai aprender a crescer.
Todos temos de ajudar!
Todos!
Os pais, a escola, todos nós!
E vamos ajudá-la a descobrir-se a si própria
E aos outros.
Descobrir o seu mundo,
A sua força,
O seu amor,
Ela vai aprender a viver
Com ela própria
E com os outros:
Vai aprender a fraternidade,
A fazer fraternidade.
Isto chama-se educar,
Saber isto é aprender a ensinar.

VIII

Em situação de perigo
A criança, mais do que nunca,
Está sempre em primeiro lugar…
Será o sol que não se apaga
Com o nosso medo,
Com a nossa indiferença:
A criança apaga, por si só,
Medo e indiferença das nossas frontes…

IX

A criança é um mundo
Precioso
Raro
Que ninguém a roube,
A negoceie,
A explore
Sob qualquer pretexto.
Que ninguém se aproveite
Do trabalho da criança
Para seu próprio proveito.
São livres e frágeis as suas mãos.
Hoje:
Se as não magoarmos
Elas poderão continuar
Livres
E ser a força do mundo
Mesmo que frágeis continuem…

X

A criança deve ser respeitada
Em suma,
Na dignidade do seu nascer,
Do seu crescer,
Do seu viver.
Quem amar verdadeiramente a criança
Não poderá deixar de ser fraterno:
Uma criança não conhece fronteiras,
Nem raças,
Nem classes sociais:
Ela é o sinal mais vivo do amor,
Embora, por vezes, nos possa parecer cruel.
Frágil e forte, ao mesmo tempo,
Ela é sempre a mão da própria vida
Que se nos estende, nos segura
E nos diz:
Sê digno de viver!
Olha em frente!
Matilde Rosa Araújo (1921-2010), in As Crianças, Todas as Crianças


Comentários: 2

Anonymous maria escreveu...

Gostei muito da homengaem - singela, justa e bonita. É sempre um prazer visitar este blog.

07 julho, 2010 21:38  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Muito obrigado, cara Maria, pelas suas amáveis palavras.

O ano de 2010 tem vindo a ser particularmente fatídico para a Literatura portuguesa. Em pouquíssimos meses, a morte já nos levou João Aguiar (que cheguei a conhecer pessoalmente, mas de uma forma muito superficial), António Manuel Couto Viana (cujo passamento passou quase despercebido, talvez por injustas razões políticas, pois ele foi um destacado apoiante do Estado Novo), José Saramago, Matilde Rosa Araújo e sabe-se lá quem mais! O que nos vale é que as novas gerações de escritores portugueses têm muita qualidade também.

11 julho, 2010 16:55  

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