04 agosto 2012

Uma cidade que não chegou a sê-lo

Maquela do Zombo, Angola (Foto: José Sousa)

Não têm conta as vezes em que foi referida e comentada a fundação da cidade do Huambo, no Planalto Central de Angola, por decisão do general Norton de Matos, a partir de uma fortificação previamente existente.

Houve, porém, uma decisão de carácter idêntico tomada pelo mesmo governador-geral de Angola e posterior alto-comissário, que praticamente nunca é referida pelos seus biógrafos. Esta outra decisão consistiu na criação de uma outra cidade, no extremo Norte de Angola e a dois passos da fronteira: Maquela do Zombo.

Em rigor, Maquela do Zombo já existia há séculos, tendo sido uma povoação muito importante do Reino do Congo. Este facto é confirmado pela existência na vila de uma igreja quinhentista, que é a segunda mais antiga de todo o território de Angola, a seguir à de Kulumbimbi, em Mbanza Congo (antiga São Salvador).

A decisão tomada pelo general Norton de Matos consistiu, então, em dar nova vida à histórica vila de Maquela do Zombo, transformá-la numa cidade e fazer dela a capital do distrito do Congo Português, de tal modo que ela fosse capaz de rivalizar com as capitais do Congo Belga e do Congo Francês, respetivamente Léopoldville (atual Kinshasa) e Brazzaville.

Para este fim e sob sua orientação, começaram a ser rasgadas ruas e avenidas em Maquela do Zombo. Além disso, foi construído um imponente palácio no meio de um exuberante jardim tropical, para servir de sede ao governo do Congo Português. Este palácio foi propositadamente erguido à entrada da projetada cidade, ao fundo de uma comprida reta da estrada vinda de Léopoldville, de modo a que os viajantes acabados de chegar do Congo Belga vissem, claramente visto, aquele símbolo da grandeza da colonização portuguesa, assim que entrassem em Angola...

Este projeto de Norton de Matos falhou, porque foi imediatamente abandonado assim que ele deixou o cargo de governador-geral da colónia. A capital do distrito do Congo Português foi transferida de volta para o Uíge, as obras pararam e Maquela do Zombo caiu no esquecimento, continuando a ser apenas uma vila fronteiriça, sede de um simples município e guarnecida por uma mão-cheia de polícias, militares e funcionários administrativos. A sua população civil negra, branca e mestiça, de escassos milhares de habitantes, continuou a entregar-se predominantemente ao comércio, tanto legal como de contrabando. A grandeza sonhada pelo general Norton de Matos, para uma cidade no Congo Português que se impusesse à admiração dos outros colonizadores europeus, desfez-se em fumo.

Entretanto, Brazzaville foi crescendo na margem direita do Rio Zaire. Na margem oposta, Léopoldville/Kinshasa tornou-se, sem ponta de exagero, na verdadeira capital cultural, humana e social de toda a África Central (ouvi dizer até, por brincadeira, que a cidade de Brazzaville não tinha iluminação noturna, porque o brilho das luzes de Kinshasa chegava para iluminá-la...). Quanto a Maquela do Zombo, coitada, essa ficou irremediavelmente para trás, triste e atrofiada, de tal maneira que mesmo em 1974 ainda não tinha uma única rua pavimentada.

Refletindo sobre estes factos, poderemos concluir que este teria que ser inevitavelmente o resultado, mesmo que o projeto de Norton de Matos tivesse sido levado por diante. Maquela do Zombo não dispunha das condições que lhe permitissem tornar-se numa grande cidade, por muito voluntarioso que fosse o general.

O que possibilitou o crescimento de Kinshasa e de Brazzaville foi o rio Zaire, que é uma autêntica auto-estrada aquática que penetra profundamente no coração do continente africano, ligando milhões e milhões de pessoas entre si e com o exterior. Como a maior parte da bacia do Zaire faz parte da República Democrática do Congo, não admira que a capital deste país tenha crescido muito mais do que a outra capital, a da República do Congo, Brazzaville. Maquela do Zombo, por seu lado, não tem um único rio minimamente navegável em centenas de quilómetros à sua volta! O rio navegável mais próximo de Maquela é o... Zaire.

Maquela do Zombo também não é servida por uma linha de caminho de ferro, nem fica no centro de uma região fértil e populosa, como a cidade do Huambo. Do ponto de vista agrícola, a região encabeçada por Maquela é mesmo bastante pobre. Não faltam, em toda a província do Uíge, outras regiões muito mais ricas e muito mais férteis do que a do município do Zombo.

Aquilo que poderá estimular o crescimento e o desenvolvimento de Maquela do Zombo é a riqueza mineira da sua região, nomeadamente no Mavoio, a sul da vila, de onde já se extraiu minério de cobre. O povo do Zombo é por demais ativo e interventivo para deixar que esta riqueza beneficie apenas uma oligarquia, angolana ou estrangeira. Maquela pode não ser a grande cidade idealizada por Norton de Matos, mas ainda poderá vir a ser uma cidade próspera e desenvolvida.

No tempo colonial, o Bar Zombo era o único estabelecimento comercial de Maquela cujos proprietários brancos acolhiam de braços abertos todos os clientes negros que quisessem permanecer no seu interior, enquanto bebiam uma cerveja, conversavam com os amigos, tomavam um café, comiam uma refeição, etc. (Foto: José Francisco Tavares)

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