04 abril 2013

A Inês Negra

Monumento à Inês Negra, em Melgaço, do escultor José Rodrigues (Foto: Joseolgon)

Melgaço é uma bonita vila do extremo norte de Portugal, paredes meias com as terras irmãs da Galiza. Não há outra vila portuguesa mais a norte do que esta.

Há muito que ver e saborear em Melgaço. Em finais deste mês deverão realizar-se as Festas do Vinho Alvarinho e do Fumeiro. Só isto justifica uma ida a Melgaço. E depois (ou antes) das festas, poder-se-á apreciar o muito que há para ver na vila e no seu concelho. Por exemplo: o castelo, a igreja matriz, as termas do Peso, a localidade fronteiriça de São Gregório, a igreja de Nossa Senhora da Orada, a igreja de Paderne (não é só no Algarve que existe uma povoação chamada Paderne; Melgaço também tem a sua), etc. E, como não podia deixar de ser, é "obrigatório" visitar a lindíssima região serrana, com destaque para as aldeias de Lamas de Mouro e de Castro Laboreiro. Agora na primavera, então, é "pecado" não subir à serra.

Associada a Melgaço, existe uma lenda que remonta ao séc. XIV, uma lenda que fala de uma luta entre duas mulheres: a Inês Negra e a Arrenegada. Transcrevo a seguir o texto que, a respeito desta luta, está publicado no Arquivo Português de Lendas:

Os Castelhanos tinham-nos tomado a maior parte das povoações fortificadas do Alto Minho; porém, o valor dos Portugueses os tinha feito capitular a quase todos e só Melgaço estava a favor de Castela. Era seu governador ou alcaide-mor Álvaro Pais Sotto-Maior, castelhano, o qual, tendo de guarnição trezentos infantes e trezentos cavalos, porfiava na resistência. D. João I pôs cerco a Melgaço e havia 10 dias que o assédio durava sem outra consequência mais do que escaramuças, que nada decidiam. Então o rei português mandou edificar um castelo de madeira, que ficasse a cavaleiro das muralhas, cuja construção levou 20 dias. Os cercados, receando o assalto, deram sinal de armistício e foi à praça João Fernandes Pacheco; porém, Álvaro Pais propunha tais condições que nada conseguiu. O rei mandou activar os preparativos do assalto, jurando que ele próprio o comandaria.

Dentro da praça havia uma mulher muito valente, parcial dos Castelhanos, que renegara sua pátria, pois era daqui mesmo natural.

Sabendo ela que no arraial dos Portugueses estava uma sua conterrânea, ousada e valorosa como ela, a mandou desafiar a um combate singular.

Inês Negra (a desafiada) aceitou o repto e dirigiu-se logo para o ponto designado, que era a meia distância do arraial da vila. Já lá estava a arrenegada, (como então se dizia) e o combate começou encarniçado, terrível e desesperado, como duas viragos, ferindo-se com as mãos, unhas e dentes, depois de partirem as armas de que vieram munidas (ignorando-se que armas fossem). A agressora ficou debaixo e teve de retirar para a vila, corrida, ferida e quase sem cabelo, «levando nos focinhos muitas nódoas das punhadas da de fora», que ficou vitoriosa. Os Portugueses fizeram grande algazarra aos Castelhanos. No dia seguinte era a praça dos Portugueses e Inês Negra, cercada de besteiros, estava no alto da plataforma, onde o pendão das Quinas ondeava ovante, no mastro em que na véspera se ostentava orgulhosa a bandeira dos leões e torres de Castela, e dizia no seu transporte de alegria:

— Mas vencemos-te! Tornaste ao nosso poder! És do Rei de Portugal.

Em 1807 repetiram-se as brilhantes acções dos habitantes de Melgaço, e desta vez sem que houvesse mulher ou homem que atraiçoasse a honra pátria.

Desta antiga vila já hoje quase nada resta, porque Melgaço possui muitas edificações modernas, largos, algumas ruas, um magnífico hospital, casa de escola, etc..


Fonte Biblio: VASCONCELLOS, J. Leite de, Contos Populares e Lendas II, Coimbra, por ordem da universidade, 1966, p. 687-688

Ano: 1899

Portal românico da igreja de São Salvador de Paderne, Melgaço

Comentários: 3

Blogger Um Jeito Manso escreveu...

Não conhecia. Aprendo sempre consigo. E fiquei com muita vontade de ir passear por essas bandas. Agora é capaz de ser boa altura, tudo verdejante.

Obrigada.

04 abril, 2013 01:30  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Não tem nada que agradecer.

Aquelas bandas são sempre verdejantes, qualquer que seja a época do ano, exceto a serra, em que neva muito no inverno, sobretudo em Castro Laboreiro. Agora na primavera, o que aquelas bandas são, é muito floridas.

Já que falo na serra, eu poderia ter feito referência à Peneda, que é muito facilmente acessível a partir de Lamas de Mouro, mas esse santuário já não pertence ao concelho de Melgaço. Pertence ao de Arcos de Valdevez.

04 abril, 2013 02:30  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

No seu texto, Leite de Vasconcelos faz referência ao ano de 1807 nestes termos:

Em 1807 repetiram-se as brilhantes acções dos habitantes de Melgaço, e desta vez sem que houvesse mulher ou homem que atraiçoasse a honra pátria.

O que aconteceu em Melgaço no ano de 1807, foi a resistência vitoriosa da vila à segunda invasão francesa, comandada pelo general Soult. Os franceses não conseguiram ocupar Melgaço.

04 abril, 2013 02:42  

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