16 junho 2017

Castelo Novo, Fundão

(Foto: sacavem)

— Mas que raio! Toda a gente que vem a Castelo Novo me pergunta pela lagariça! Aquilo não tem nada que ver!

Assim exclamou um habitante da vila histórica de Castelo Novo, no concelho do Fundão, quando lhe perguntei onde ficava a lagariça. Enfim, a lagariça pode não ter (quase) nada que ver, mas Castelo Novo tem que ver — e muito —, incluindo a lagariça.

Comecemos pela localização. Aninhada num recôncavo da serra da Gardunha, Castelo Novo apresenta-se-nos como uma acolhedora cascata de casas e outras construções, sobre um fundo constituído por fraguedos da serra, de belíssimo efeito cenográfico. A primeira impressão que Castelo Novo transmite ao visitante não podia ser melhor.


A Torre Sineira, Casa da Câmara, antiga Cadeia, Chafariz de D. João V e Pelourinho (Foto: Aldeias Históricas de Portugal)

A seguir, os monumentos. Não faltam monumentos a merecer a nossa atenção em Castelo Novo. Desde logo, os que se podem ver na praça principal da vila. Vigiados pela torre de menagem do castelo em ruínas (o castelo já foi novo, já, mas isso foi há muitos séculos...), encontram-se a Torre Sineira, a Casa da Câmara (antigos paços do concelho), o Chafariz de D. João V, que lhe fica encostado, e um Pelourinho no meio da praça. Isto dito assim não diz nada, mas no entanto diz muito. Com efeito, encontram-se representados, só nesta praça, três séculos distintos: os séculos XIII, XVI e XVIII.

O castelo deve ser medieval. Foi no séc. XIII que Castelo Novo foi doado à Ordem dos Cavaleiros Templários e, portanto, a construção desta estrutura militar deve datar dessa época, se não for anterior. A Casa da Câmara, incluindo a antiga cadeia, e o Pelourinho datam do reinado de D. Manuel I, que foi quem atribuiu carta de foral à vila. A Torre Sineira data da mesma época. O Chafariz é barroco e data do reinado de D. João V.

Ao contrário do que seria de esperar, a conjugação num espaço tão pequeno de três estilos diferentes e até contrastantes (medieval, manuelino e barroco) produziu um resultado surpreendentemente harmonioso. Aquela pequena praça de Castelo Novo é um exemplo de que é possível combinar estilos diferentes sem agredir a sensibilidade estética de ninguém. Aquela pequena praça de Castelo Novo é uma lição a todos quantos, nos nossos dias, fazem "restauros", "reabilitações" e outros enxertos "a martelo", transformando construções antigas, que eram lindas ou apenas interessantes, em horrorosos mamarrachos. Esses senhores que não sabem combinar estilos diferentes, nem sabem pôr o antigo a dialogar com o moderno, que tratem de ir a Castelo Novo aprender como é que os antigos faziam.


Casa da Família Falcão (Foto: Aldeias Históricas de Portugal)

Depois de se ter admirado a praça principal de Castelo Novo, é altamente recomendável que se dê uma volta pela vila e se admirem as interessantíssimas casas e outras edificações que se encontram a cada passo que se dá. Não é por acaso que Castelo Novo é uma vila histórica. Visite-se, também, a igreja matriz, a da Misericórdia e outros templos que em Castelo Novo existem. Há muito que ver em Castelo Novo e também há muito que beber... mas é água.

Eu se calhar não devia fazer publicidade à água que junto a Castelo Novo se recolhe e se engarrafa, mas ela é tão saborosa que não resisto. Eu não conheço outra água de mesa que seja tão leve e tão fresca como a Água do Alardo. Pronto, está feita a publicidade gratuita.

Então, e a lagariça, de que falei no início? Afinal ela tem ou não tem algo que ver? Tem. A lagariça é um lagar de vinho escavado no granito a céu aberto e situado no meio da povoação. Data do século VII ou do VIII. Além de atestar a antiguidade da ocupação humana no local, a lagariça é um dos testemunhos materiais mais antigos existentes em Portugal da produção de vinho.

Foram os romanos que introduziram, no território que é hoje Portugal, o cultivo da vinha e a produção de vinho a partir da fermentação do mosto. Os habitantes do atual território português anteriores à chegada dos romanos (brácaros, lusitanos, cónios e outras tribos celtas), não conheciam o vinho. Fabricavam cerveja através da fermentação da cevada. A vinha é uma planta mediterrânica, mas a civilização celta era originária da Europa central e não do Mediterrâneo. Por isso, as tribos que aqui habitavam produziam cerveja e não vinho. Se, nos nossos dias, Portugal é um produtor de excelentes vinhos, aos romanos o deve.


A lagariça de Castelo Novo, constituída por duas pias situadas a níveis diferentes. Uma pia maior, situada a um nível superior, onde se pisavam as uvas. Através de um orifício, o mosto resultante da pisa das uvas escorria para uma pia mais pequena, de formato mais ou menos retangular, que se encontra a um nível mais baixo (Foto: Fernando Paulouro das Neves)

Comentários: 3

Blogger Isabel escreveu...

Uma aldeia lindíssima!
Então andou aqui pelas minhas bandas!

Boa noite e bons passeios:)

16 junho, 2017 23:37  
Blogger bea escreveu...

Quando visitei Castelo Novo tive essa sensação de grandeza da Gardunha que a guarda, da frescura da água e da história de que falam as pedras. Pareceu-me até que o tempo era ali outro, se transmutava.

16 junho, 2017 23:44  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Muito obrigado pelos vossos comentários, minhas amigas. Eu tive um colega de trabalho que era natural de Castelo Novo e que se fartava de falar da sua terra, assim como de Alpedrinha, Vale de Prazeres e outras localidades próximas.

18 junho, 2017 02:33  

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