08 março 2018

Inteligência artificial


Uma operação de marketing: "conferência de imprensa" dada por um robô humanoide chamado Sophia, na Web Summit 2017, Lisboa

Imaginemos que um papagaio seria capaz de aprender a recitar um soneto completo de Florbela Espanca, do princípio ao fim e sem se enganar. Teoricamente, pelo menos, não é completamente impossível que um tal papagaio possa existir. Poderemos então dizer que esse papagaio é inteligente? Se esse papagaio não compreender o que diz, certamente não poderá ser considerado inteligente.

Imaginemos, por absurdo, que esse papagaio seria também capaz de compreender o conteúdo do referido soneto. Poderemos dizer que, então sim, esse papagaio é inteligente? Se esse papagaio não sentir a emoção e o sentimento colocados pela grande poetisa em cada um dos seus versos, certamente não poderá ser considerado inteligente.

Então, como é possível que se possa dizer que é inteligente um robô humanóide que se limita a imitar (mal) as expressões faciais de um ser humano e a papaguear umas quantas frases previamente gravadas, como resposta a perguntas que lhe são feitas, sem compreender o sentido dessas frases?

Tem havido muito sensacionalismo à volta do tema da chamada inteligência artificial. O aparecimento de um robô humanoide chamado Sophia (exibido no Web Summit 2017, em Lisboa) só contribuiu para aumentar ainda mais esse sensacionalismo. A chamada "inteligência artificial", entre comas, está aí (isso é um facto), tem potencialidades extraordinárias e igualmente assustadoras (também é um facto), mas ainda não está ao virar da esquina, como os departamentos de marketing de algumas empresas nos querem fazer crer. De qualquer modo, têm-se feito avanços enormes no sentido do surgimento, num futuro que não se sabe quando será, de uma verdadeira inteligência artificial. Ou não.

A expressão "inteligência artificial" é antiga. Já nos anos 70 e, sobretudo, nos anos 80 do século passado, se falava nela nos meios académicos e em alguns meios industriais, como sendo algo que poderia vir a surgir a breve prazo. Mas tal não se verificou. O que se desenvolveu nesses anos foram sistemas periciais, que produziram excelentes resultados, se tivessem sido bem desenvolvidos, mas que de inteligência não tinham nada. Os sistemas periciais, de um modo geral, não passam de "árvores de decisão", em que se encontram encadeadas decisões deste tipo:

«Verifica-se a condição x? Sem sim, então y. Se não, então z.» Os resultados y e z podem ser, por exemplo, «procede desta maneira», «não sei resolver o problema e acabou», «problema resolvido e acabou», «volta atrás», «vai testar a condição w que está acolá», «verifica a nova condição x'», etc. A nova condição x' é do mesmo tipo. «Verifica-se a condição x'? Sem sim, então y'. Se não, então z'.» Etc., etc. No fim, poderemos ter milhares de resultados diferentes, conforme a complexidade do sistema que estiver a ser trabalhado.

Atualmente, muitos programas de teste e diagnóstico, usados em muitos domínios da técnica e do conhecimento, baseiam-se neste tipo de "árvores de decisão". Mas a inteligência artificial está anos‑luz à frente disto.

Ao mesmo tempo que se desenvolviam sistemas periciais baseados numa arquitetura convencional de computadores (chamada arquitetura de von Neumann), foi-se desenvolvendo um novo conceito de computação, baseado numa arquitetura radicalmente diferente da convencional, que foi o conceito das chamadas "redes neuronais artificiais". Aqui sim, deu-se um enorme avanço no sentido do que poderá vir a ser uma inteligência artificial a sério. Ou não.

As redes neuronais artificiais têm como finalidade imitar o funcionamento das redes de células nervosas no cérebro, em que cada célula, chamada neurónio, está ligada às células vizinhas através de conexões, chamadas sinapses. Num cérebro biológico, a informação recebida através dos sentidos é recolhida e processada por milhares e milhares de neurónios no cérebro, que trabalham em rede até que se produza um resultado final, que pode ser, por exemplo, a atuação de um músculo do organismo ou o armazenamento de uma recordação em outros neurónios que estão afetos à memória.

O cérebro humano tem muitíssimos milhões de neurónios, cada um dos quais com milhares de sinapses a interligá-lo aos neurónios vizinhos. O resultado é uma rede extremamente complexa e eficiente, impossível de ser reproduzida fielmente por meios artificiais, tão grande é a sua complexidade.

As redes neuronais artificiais não conseguem ter essa complexidade, nem pouco mais ou menos, mas conseguem já obter resultados que quase nos parecem milagrosos. Por exemplo, as redes neuronais artificiais têm a capacidade de aprender! É verdade! Aprendem com o que lhes é ensinado por um humano (como nos sistemas periciais), mas também são capazes de aprender por si próprios, sem intervenção exterior, corrigindo erros cometidos anteriormente e aprofundando os conhecimentos que já possuíam! É a chamada deep learning, que é atualmente objeto de uma intensa investigação. Isto, sim, já pode ser considerado um início de inteligência artificial, mas ainda está incomparavelmente atrás das possibilidades oferecidas por um cérebro humano.

«Mas a inteligência (natural) não é apenas raciocínio lógico», argumentar-ser-á com toda a razão. «É também intuição, sentimento, emoção, instinto, etc. Onde está o lugar, na inteligência artificial, para estas expressões de inteligência real?» Não está. Esse lugar não existe, pelo menos por enquanto, nem se sabe sequer se virá a existir no futuro. Talvez seja preciso voltar à estaca zero e começar tudo de novo, em novas bases, para que a inteligência artificial (agora sem comas) possa ser equiparável à inteligência natural, porque também já tem intuição, emoção, sentimento, etc.

Tomemos o exemplo de uma flor. Uma rede neuronal artificial poderá identificar sem dificuldades uma flor numa fotografia, através de um algoritmo de reconhecimento de padrões; poderá associar a imagem de uma flor às letras F, L, O e R, etc. Mas não consegue, por mais "inteligente" que seja, sentir a emoção transmitida pela beleza de uma flor, nem consegue, por mais "inteligente" que seja, oferecer uma flor a um ente amado (pode ser uma outra forma de inteligência artificial), porque não faz a mais insignificante ideia do que seja o amor.

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